segunda-feira, 14 de junho de 2010

No divã do analista





ANÁLISE: quem nunca fez não entende quem faz. E acho que, para duas pessoas se relacionarem, ambas devem ter alguma experiência do assunto ou, então, é melhor que nenhuma das duas tenha.
Eu, se fosse ministra da Educação, faria com que os alunos tivessem algumas noções de psicologia para se conhecer melhor e tentar também conhecer o outro.
Mas tem gente que tem mania de ficar se analisando, e essas pessoas são insuportáveis. Vivem falando em culpa, rejeição outros jargões analíticos. Não fazem nada sem perguntar ao analista, até se devem mudar a cor do cabelo. Eu já fiz análise várias vezes, com diversos tipos de analista. O primeiro quase me matava de raiva. Eu estava cheia de problemas-- separo, não separo, caso, não caso-- e o analista ou não dizia uma só palavra ou me dizia algo que não tinha a ver com meus problemas. Teria sido preciso que eu mesma fosse leitora de Freud para compreender o que ele falava. E isso pagando os olhos da cara. Durou um tempo e pulei fora, o que, aliás, não foi nada fácil. Primeiro, a coragem de contar que ia parar; e, depois, umas cinco sessões discutindo o assunto, ele dizendo que eu estava saindo para agredi-lo etc. e tal. Enquanto isso, fora do consultório, fazia sol e a vida continuava.
Mas não segurei a barra sozinha por muito tempo e fui parar em outra terapia, dessa vez com uma mulher. Ela devia me achar chique, pois volta e meia a conversa descambava para moda, como se fôssemos amigas almoçando. Era muito agradável, eu gostava, eu gostava dela. Só que, na hora de pagar aquela conta astronômica, concluía que aquilo não estava me levando a nada. E lá fui eu tentar de novo a vida sozinha. Não consegui, claro.
Fui percebendo que o que eu precisava era de uma pessoa que ouvisse meus problemas, já que ninguém tem tempo para isso (e nem está interessado). Com todo respeito, eu alugava 50 minutos do tempo de uma pessoa para reclamar da empregada, do marido, dos filhos, dizer que tinha engordado, que não aguentava fazer ginástica e, de quebra, falar mal de algumas amigas. Eu não esperava nada do analista, mas botar meus problemas para fora já me ajudava, tanto quanto a confissão para os católicos. Mas comecei a achar tudo monótono e caí fora.
Até que um dia me mudei, minha casa ficou pronta, e os amigos me diziam: "E quando é que vai me convidar para jantar?" Realmente, isso é o que fazem as pessoas civilizadas: um dia um convida, depois o outro retribui, e assim la nave va. Foi quando descobri que não sou uma pessoa civilizada e que receber para um jantar, por mais íntimos que sejam os amigos, para mim é uma tortura. E procurei um novo analista só para falar sobre isso.
Ele me ouviu silenciosamente enquanto eu dizia que tinha medo de a comida não ficar boa, de ter feito pouca e não dar para todos ou de exagerar, fazer demais e sobrarem três sobremesas, que eu ia comer todo dia e ficar uma bola de gorda, que o vinho talvez fosse péssimo, já que não sou conhecedora etc. etc. No final, ouvi dele apenas uma frase: "Se você não gosta de dar jantares, não dê". Foi a minha libertação. A partir desse dia, nunca mais precisei perguntar a ninguém se devo ou não devo fazer alguma coisa. Pergunto a mim mesma e o assunto está resolvido. E estou muito feliz assim--pelo menos por enquanto.
Danuza Leão

Múltipla escolha









Deslimite e desinteresse são irmãos gêmeos: geram agressividade como reação ao desamparo. Ao contrário do que pensamos, a falta de uma ordem amorosa ergue barreiras e produz isolamento. Permitindo tudo, dando tudo, não se cultivam afetos: estimulam-se a inquietação e o abandono.
Mas podemos fazer novas escolhas: dentro das possíveis transformações da cultura não cristalizada--pois é dinâmica--é possível mudar as regras desse jogo do convívio, da educação, da vida escolar e familiar, com regras, punições e recompensas. Carinho e respeito (...) dão segurança para construir alguma trajetória numa sociedade cada vez mais complexa.
Se fôssemos mais comedidos nas expectativas, mais tranquilamente respeitosos uns com os outros na mais intensa afeição e confiança, ou na melhor parceria de trabalho, poderíamos reter, cada um, a naturalidade necessária para preservar a liberdade a dois, que caracteriza uma relação positiva.

Trecho do Livro: Múltipla escolha, de Lya Luft.

Cláudia Maria Piasecki
Psicóloga Clínica
CRP 08/10847