sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nem tudo se pode ver,ouvir ou dizer.



Betty Milan, psicanalista

Um músico me escreve contando que pertence a uma grande orquestra, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza de alguns. O convívio com "egos inflados" é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer.
Eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que ele tem o privilégio de escutar os sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio. Não precisa dar ouvidos ao que não interessa. Inclusive porque egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós e aos outros.
Para viver, nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a Antiguidade, pelos três macacos da sabedoria. Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos. O primeiro cobre os olhos, o segundo as orelhas e o terceiro a boca. A representação é originária da China. Foi introduzida no Japão, no século VIII, por um monge budista. A máxima que ela implica é "não ver, não ouvir e não dizer nada de mau". Foi adotada por Gandhi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo e o mudo---Mizaru, Kikazaru e Iwazaru.
Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo que sabemos. Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. Isso é decisivo para uma atitude construtiva, mas não é fácil. Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica---impelidos por um gozo masoquista ao qual temos de nos opor continuamente. Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha.
Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. Desde que não sejam um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito---um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos.
A ideia não é nova. Data da descoberta da psicanálise por Freud, no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil nos livrarmos do ego. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e que não condena a vaidade, a prepotência e a arrogância. Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar.
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Cláudia Maria Piasecki
Psicóloga Clínica
CRP 08/10847

SEPARAÇÃO


O divórcio é tão natural que, em muitas casas, dorme todas as noites entre dois cônjuges.
Chamfort

Eu e meu parceiro estamos passando por mais uma crise ou é o fim definitivo do nosso casamento? Como saber se nossa união acabou ou pode prosseguir de uma nova maneira, ser reinventada. Questões difíceis de serem respondidas, mas não impossíveis...
A crise acontece muitas vezes independentemente da vontade humana. Ela é irmã da impermanência.
As crises são portanto, como mortes dentro da vida. Embora muitas vezes dolorosas, se nos negarmos a vivenciá-la, corremos o risco de parar o nosso processo de individuação, e prosseguimos "anestesiados", levando vidas parciais, convencionais e "sem alma".
Para se julgar se um relacionamento acabou ou não é necessário levar em conta, um aspecto racional e outro intuitivo. Pode-se pesar na balança racionalmente os prós e os contras de se continuar vivendo uma relação amorosa. Mas também se sabe quando o relacionamento terminou quando não se ama mais uma pessoa.
Uma visão excessivamente romântica do casamento também pode ser a causa de muitas separações. Muitas pessoas são levadas, principalmente por causa da criação que receberam de seus pais, na escola, e das outras influências que tiveram de seu entorno cultural e religioso.
Um casamento pode acabar porque foi se desgastando lentamente com o passar do tempo, apesar dos parceiros se gostarem. O abandono da relação também é uma das causas do fim de muitos casamentos. Cumprem as "obrigações" do casamento, mas fazem da casa um hotel, um lugar apenas para dormir.
É comum pessoas convencionais permanecerem morando juntas, sem separar-se oficialmente...Afinal, que diferença faz separar-se se o casamento nunca existiu mesmo?
Contudo, se queremos viver um relacionamento DE VERDADE, insisto: é necessário que se discuta a relação e se enfrentem as crises, logo que se apresentem, mesmo as mais "cabeludas".
CASAMENTOS APARENTES:
Muitas pessoas resistem a ideia de separar-se oficialmente do cônjuge por vários motivos (que não raro, são, na verdade, desculpas). Existem pessoas que tem medo da solidão, outras dependem financeiramente do cônjuge,outros para que os filhos não sofram.
Geralmente algumas pessoas são dependentes de outra, seja um marido, filho, pai ou mãe, porque projetam neles instâncias que não conseguem, ou não querem desenvolver em si mesmas.
Em uma relação verdadeiramente saudável, o outro deve ser a luz que ilumina minha vida, mas jamais ser os meus olhos. É muito bom e enriquecedor estar com alguém que amplie meus horizontes de vida, mas não queira viver a minha vida por mim!!!
OS HOMENS RESISTEM MAIS À SEPARAÇÃO. POR QUÊ?
Não há como negar: mais mulheres que homens tomam a decisão de se separar. Em geral, os homens ficam em um casamento, independentemente de este estar bom, estável ou até mesmo ruim.
Muitos homens são criados para que se sintam frágeis diante da falta de uma mãe ou mulher. Sequer são ensinados a cuidar-se em um sentido mais objetivo. No casamento, esses homens buscam a continuidade do lar que tiveram. Eles mantêm um vínculo simbiôntico, maternal com suas esposas e dependem dessa pseudo-estabilidade que elas podem lhes dar, como suas mães haviam feito. Essa é a repetição de um papel infantil. Um homem que tenha esse perfil faz do casamento o seu ninho protetor, a sua estabilidade emocional. E, em nome dessa "segurança", ele tolera uma mulher que não ama mais e, para conseguir suportar esse estado de infelicidade crônica, encontra "válvulas de escape" como relações paralelas, sejam estas amorosas ou de amizade; praticar esportes com muita frequência; trabalhar muito...
Existem mulheres que são criadas como estes homens para ser sempre filhas. Entretanto na cultura patriarcal em que vivemos, estimula-se mesmo que indiretamente que a mulher tenha a capacidade de se cuidar psíquica e objetivamente.
A mulher separada "se vira" muito melhor do que o homem em sua nova vida.
Como estes momentos são vividos e o que se aprende com eles "fazem a diferença" na vida de uma pessoa. Ela pode optar por encarar a crise como uma chance de crescer, amadurecer, transformar-se (pois, como dizia Nietzsche: "O que não me mata, me fortalece"), ou como um "castigo da vida" e uma desculpa para se acomodar e não mais lutar pelo que quer.
Texto extraído do Livro: Casamento missão quase impossível.
de Eduardo Ferreira-Santos
Editora Claridade
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Cláudia Maria Piasecki
Psicóloga Clínica
CRP 08/10847