segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Amores que se vão...



por Cláudia Piasecki

"...nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará..."
Como uma onda.
Lulu Santos

Frustração, desânimo, impotência, tristeza, dor. Para quem já viveu uma história de amor, sabe que esses sentimentos se fazem presentes no momento em que um relacionamento acaba. Esses e muitos outros sentimentos claro, como raiva, indignação e uma enorme sensação de vazio.
Geralmente, quando um relacionamento é desfeito, ou chega ao fim não que dizer que o casal tomou a decisão de maneira ponderada e amadurecida, eu diria que essa situação é rara, via de regra uma das partes ainda está muito ligada, ou dependente do relacionamento. Por isso as pessoas acabam sofrendo tanto. Sofre quem não está mais apaixonado, ou não está mais satisfeito com aquela relação, e sofre muito mais quem ainda ama e de repente se vê "abandonado".
A sensação de abandono e vazio surge porque a relação amorosa nos traz a ideia de segurança, de afeto garantido, da presença do outro. Segundo o psiquiatra e psicanalista Flávio Gikovate, procuramos na relação amorosa o amor primordial, aquela sensação de amor incondicional que experimentamos quando nascemos, pois encontramos nos cuidados maternos tudo que precisamos, alimento, afeto, carinho, aconchego, segurança, a presença de um outro sempre pronto a atender todas as nossas necessidades.
Quando adultos procuramos no relacionamento amoroso essas sensações. Acreditamos que quando encontrarmos a pessoa certa vamos experimentar todo esse universo de sensações deliciosas, e a certeza que a presença do outro será algo divino, satisfatório, digamos, um felizes para sempre, como num conto infantil.
Renunciar a um grande amor, ou a uma paixão que está iniciando é bastante difícil. Aliás, de acordo com Dr. Eduardo Ferreira-Santos, psiquiatra, existem duas coisas que são dificílimas para o ser humano, o perdão e a renúncia. E das duas, pondera ele, renunciar é muito mais difícil do que perdoar. Quando eu perdoo alguém, eu considero alguma atitude que o outro cometeu que me machucou, magoou, aí eu posso imputar no outro toda a culpa pelo ato cometido, e demonstro toda a generosidade possível para no final conceder o perdão. Para renunciar algo ou a companhia de alguém que me é muito caro, é um movimento vivido de uma maneira totalmente individual, nessa situação tenho que encontrar força interior, subsídios próprios para poder superar tamanha dor, ao renunciar uma história de amor é vivido um período de luto, pois a perda é imensa. E esse sentimento é potencializado porque mais uma vez vivemos a frustração e a certeza de que não encontraremos mais aquele amor primordial.
Por isso é importantíssimo investirmos não só nos relacionamentos, mas também em vários outros interesses pessoais que nos tragam satisfação, que não dependam exclusivamente de uma outra pessoa para a sua realização.
Na vida experimentamos todos os tipos de frustração e por vezes um sentimento de que nada vai dar certo, mas é preciso sempre seguir em frente, tentar descobrir coisas novas, conhecer pessoas novas, aumentar a rede de relacionamentos de amizade, e valorizar as já existentes. Compartilhar interesses semelhantes com pessoas semelhantes. Certamente quando focamos nossos interesses em uma pessoa, e ela passa a ser a nossa única referência afetiva, estamos sendo extremamente egoístas e presunçosos. E podemos desta forma estarmos destruindo uma relação que poderia ser forte, saudável e durável, mas que não perdura por causa de nossa ansiedade em manter a presença daquela pessoa a qualquer preço (como se fosse nossa posse) numa atitude imatura e fantasiosa de que realmente temos esse poder. E por outro lado, se a relação não termina, está fadada de qualquer maneira a ser um peso carregado pela pessoa que é tratada como um objeto, ou como sendo a razão do viver do outro. Situação bastante delicada, pois não podemos e não devemos (pois não temos esse direito) tornar uma outra pessoa, a depositária das nossa frustrações e dificuldades emocionais.
As pessoas devem ser livres para fazer suas escolhas.
E parafraseando a música da cantora Maísa: "...se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar."
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Cláudia Maria Piasecki
Psicóloga Clínica
CRP 08/10847
9856-8944
9229-7662
3243-0156 Consultório

Considerações sobre novos desejos



por Contardo Calligaris

Um jovem não sabe o que ele está a fim de fazer da vida, e os pais pedem que eu descubra qual é o desejo do filho, de modo que ele possa escolher o vestibular e a profissão que ele "realmente" gostaria.
Na mesma semana, encontro um adulto que acha que, de fato, nunca fez nada por desejo. Embora bem-sucedido, queixa-se de que suas escolhas (profissionais e amorosas) sempre teriam sido circunstanciais, efeitos de oportunidades encontradas ao longo do caminho. Ele pede, antes que seja tarde, que eu o ajude a descobrir qual é "realmente" o seu desejo.
Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo: quem viver segundo seu desejo será, no mínimo, mais alegre. Esta é mesmo uma boa definição da alegria: a sensação de que nosso desejo está engajado no que estamos fazendo, ou seja, de que nossa vida não acontece por inércia e obrigação. Inversa e logicamente, muitos estimam dever sua (grande ou pequena) infelicidade ao fato de terem dirigido a vida por caminhos que eles declaram não eram exatamente os que eles queriam.
Pois bem, esse pressuposto e os pedidos que recebi se chocam com esta constatação: o "nosso desejo" nunca é UM desejo definido por UM objeto ou por UM projeto. Não existe, nem escrito lá no fundo escondido de nossa mente, UM querer definido, que poderíamos descobrir e, logo, praticar com afinco e satisfação porque estaríamos fazendo aquela coisa ou caçando aquele objeto aos quais éramos, por assim dizer, destinados. Nada disso: de uma certa forma, todos os objetos e os projetos se valem, e nenhum é "nosso" objeto ou projeto específico. Ou seja, nós desejamos sempre segundo as circunstâncias, os encontros, as oportunidades--segundo as tentações, se você preferir.
Somos volúveis? Nem tanto, pois cada objeto e projeto não substitui necessariamente o anterior. O que acontece é que desejar é uma atividade inventiva a jato contínuo.
Por consequência, mesmo quando estamos alegremente convencidos de estar fazendo o que queremos com nossa vida, nunca estamos ao abrigo do surgimento de novos desejos.
Claro, podemos aceitar esses desejos novos. Por exemplo, em "As confissões de Schmidt" (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: "Quem é esta mulher que dorme na minha cama?". Logo, ele dá um rumo novo à sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente, o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
Agora, imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira'). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria.
Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos?
Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a "Metamorfose", de Kafka: alguém acorda, e o que até então era uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
Nota útil para a clínica da depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
Moral da fábula: 1- Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem sempre; 2- É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los.